terça-feira, 5 de maio de 2015

John Steinbeck


(excerto da obra de John Steinbeck: “ a um deus desconhecido”)

O inverno chegou cedo nesse ano. Três semanas antes do dia de Graças, as tardes avermelhavam-se nas serranias do lado do mar e o vento desabrido varria o vale e passava a noite a cantar nas esquinas da casa, fazendo bater as cortinas das janelas. Pequenos remoinhos de vento atiravam nuvens de folhas e poeira pela estrada fora, como soldados em marcha. Os melros reuniam-se e voavam em grupos para longe e as pombas lamentosas pousavam nas sebes por algum tempo e depois desapareciam por uma noite. Todo o dia os bandos de patos e gansos passavam lá em cima a voar alto, apontados infalivelmente para o sul; e ao escurecer gritavam cansados, a procurar um brilho de água onde pudessem repousar durante a noite. A geada tomou posse do Vale de Nossa Senhora, queimando os salgueiros até ficarem amarelos e os noveleiros encarnados.
Havia no céu e na terra preparativos apressados. Os esquilos trabalhavam freneticamente nos campos, armazenando nos subterrâneos da comunidade dez vezes mais alimentos do que precisavam, enquanto à boca das tocas, os avós grisalhos soltavam guinchos agudos e dirigiam a colheita. Os cavalos e as vacas perdiam a pelagem luzidia que se tornava áspera com o pelo novo do inverno; os cães faziam covas pouco fundas para dormirem protegidos contra os ventos rasteiros.

E, apesar da atividade, por todo o vale pairava uma tristeza como a neblina azul e esfumada sobre as montanhas. A salva estava preta. Os carvalhos deixavam cair folhas como a chuva e, apesar disso, continuavam revestidos de folhagem. Todas as noites o céu ardia sobre o mar e as nuvens acumulavam-se e estendiam-se, atacando e recuando como a treinar-se para o inverno.