(excerto da obra de John Steinbeck: “
a um deus desconhecido”)
O inverno chegou cedo nesse ano.
Três semanas antes do dia de Graças, as tardes avermelhavam-se nas
serranias do lado do mar e o vento desabrido varria o vale e passava
a noite a cantar nas esquinas da casa, fazendo bater as cortinas das
janelas. Pequenos remoinhos de vento atiravam nuvens de folhas e
poeira pela estrada fora, como soldados em marcha. Os melros
reuniam-se e voavam em grupos para longe e as pombas lamentosas
pousavam nas sebes por algum tempo e depois desapareciam por uma
noite. Todo o dia os bandos de patos e gansos passavam lá em cima a
voar alto, apontados infalivelmente para o sul; e ao escurecer
gritavam cansados, a procurar um brilho de água onde pudessem
repousar durante a noite. A geada tomou posse do Vale de Nossa
Senhora, queimando os salgueiros até ficarem amarelos e os
noveleiros encarnados.
Havia no céu e na terra
preparativos apressados. Os esquilos trabalhavam freneticamente nos
campos, armazenando nos subterrâneos da comunidade dez vezes mais
alimentos do que precisavam, enquanto à boca das tocas, os avós
grisalhos soltavam guinchos agudos e dirigiam a colheita. Os cavalos
e as vacas perdiam a pelagem luzidia que se tornava áspera com o
pelo novo do inverno; os cães faziam covas pouco fundas para
dormirem protegidos contra os ventos rasteiros.
E, apesar da atividade, por todo o
vale pairava uma tristeza como a neblina azul e esfumada sobre as
montanhas. A salva estava preta. Os carvalhos deixavam cair folhas
como a chuva e, apesar disso, continuavam revestidos de folhagem.
Todas as noites o céu ardia sobre o mar e as nuvens acumulavam-se e
estendiam-se, atacando e recuando como a treinar-se para o inverno.