sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A guerra

O ter tido conhecimento sobre a edição póstuma de um livro de Saramago com o título “Alabardas”, e onde é relatada a história de um homem que trabalhou numa fábrica de material de guerra e onde se levantam questões relacionadas com a existência das guerras, fez-me subir à mente um outro livro de um escritor alemão, Erich M. Remarque, “ a oeste nada de novo”. O livro de Saramago fala de um senhor Paz, o de Remarque fala sobre uma “senhora” guerra, a 1ª mundial. A narrativa é tão crua e realista que, posso dizer, desde o momento em que o comecei a ler, não mais fui capaz de parar e foi , por isso, o livro que “ despachei” mais rapidamente até hoje. Li-o com alguma tranquilidade, talvez por já ter estado presente em cenários semelhantes, se bem que em escala bem menor. Não aconselho a leitura desta obra de Remarque a pessoas sensíveis pois nela o autor relata com toda a frieza tudo o que viu, sofreu e sentiu na frente de batalha, ao serviço do exército alemão.
Momentos como o que relata nas linhas seguintes, são quase inexistentes mas suficientes para vermos como estão alheios à carnificina, aqueles que são obrigados a lutar. Eles provam com o seu pensamento que os verdadeiros monstros são os que de longe enviam as ordens:
  • .O Krop propõe que uma declaração de guerra seja uma espécie de festa popular com bilhetes de convite e música, como nas corridas de touros. Depois, na arena, os ministros e os generais dos dois países, em fato de banho e armados de cacetes, deveriam atirar-se uns contra os outros. O país daquele que ficasse, por último, de pé, seria o vencedor. Seria um sistema mais simples e melhor que aquele em que lutam entre si os não verdadeiramente interessados...”
Outro momento, mas este mais dramático, é quando o narrador, em serviço de patrulha junto das posições francesas, se vê forçado a lançar-se num desses buracos feitos pelos obuses, na altura em que uma chuva horizontal de balas de metralhadora começa a varrer tudo à volta. Um desafortunado soldado francês, para se refugiar atira-se e cai atrás dele. Um susto, um gesto e um punhal se crava num homem de vinte anos e uma longa agonia começa, tudo fazendo o alemão para o reanimar. Em vão, porém. A morte chega ao fim de umas horas. O monólogo que se segue, retrata bem o que é a guerra para os que só obedecem:
.”camarada, eu não queria matar-te. Se saltasses outra vez na cova, já não o faria, na condição de que tu também fosses razoável. Só foste, antes de mais nada, uma ideia, uma combinação nascida no meu cérebro e que suscitou uma resolução; foi esta combinação que te apunhalou. Noto agora que tu és um homem como eu. Pensei nas tuas granadas, na tua baioneta e nas tuas armas; presentemente é a tua mulher que vejo, assim como a tua cara e o que há em nós de comum. Perdoa-me camarada. Vemos sempre as coisas tarde demais. Porque não nos dizem continuamente que vocês são também uns pobres cães como nós, que as vossas mães se atormentam como as nossas que todos nós temos o mesmo medo da morte? Perdoa-me, camarada; como pudeste ser meu inimigo? Se deitássemos fora estas armas e este uniforme, podias ser meu irmão. Dou-te vinte anos da minha vida, camarada, mas levanta-te... Dou-te ainda mais, pois daqui em diante não sei o que hei-de fazer com eles.”

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Por onde andam os espíritos?

Não posso duvidar da pessoa que me contou: Quando em criança, houve uma noite em que acordou em sobressalto com o ruído de correntes se arrastando. Acordou a mãe que lhe disse logo que devia ser algum cão que estava preso e se soltou mas, pelo sim pelo não, ela dirigiu-se à porta e, através do postigo, espreitou. - Vês, não há nada – disse para a filha e ambas voltaram para as suas camas. No dia seguinte, em conversa com a filha, a mãe disse-lhe: - Olha, ontem eu não quis dizer-te nada porque senão já não dormias mas, quando abri o postigo, vi um enorme cavalo branco parado mesmo em frente do portão do quintal da nossa vizinha. A referida vizinha, sei-o, era uma vidente e, frequentemente, sofria de ataques de epilepsia. Outra pessoa da mesma localidade, diz que por duas vezes, quando passava de noite junto à ladeira do cemitério, viu descer um enorme cavalo branco com um lindo menino vestido de príncipe. Nesse tempo, contavam-se muitas histórias e, fantasias não faltariam mas, pelos vistos, há factos reais como aquele indivíduo que voava e que deixava a aldeia em alvoroço. Tempos de lobisomens!