O
ter tido conhecimento sobre a edição póstuma de um livro de
Saramago com o título “Alabardas”, e onde é relatada a história
de um homem que trabalhou numa fábrica de material de guerra e onde
se levantam questões relacionadas com a existência das guerras,
fez-me subir à mente um outro livro de um escritor alemão, Erich M.
Remarque, “ a oeste nada de novo”. O livro de Saramago fala de um
senhor Paz, o de Remarque fala sobre uma “senhora” guerra, a 1ª
mundial. A narrativa é tão crua e realista que, posso dizer, desde
o momento em que o comecei a ler, não mais fui capaz de parar e foi
, por isso, o livro que “ despachei” mais rapidamente até hoje.
Li-o com alguma tranquilidade, talvez por já ter estado presente em
cenários semelhantes, se bem que em escala bem menor. Não aconselho
a leitura desta obra de Remarque a pessoas sensíveis pois nela o
autor relata com toda a frieza tudo o que viu, sofreu e sentiu na
frente de batalha, ao serviço do exército alemão.
Momentos
como o que relata nas linhas seguintes, são quase inexistentes mas
suficientes para vermos como estão alheios à carnificina, aqueles
que são obrigados a lutar. Eles provam com o seu pensamento que os
verdadeiros monstros são os que de longe enviam as ordens:
- ….O Krop propõe que uma declaração de guerra seja uma espécie de festa popular com bilhetes de convite e música, como nas corridas de touros. Depois, na arena, os ministros e os generais dos dois países, em fato de banho e armados de cacetes, deveriam atirar-se uns contra os outros. O país daquele que ficasse, por último, de pé, seria o vencedor. Seria um sistema mais simples e melhor que aquele em que lutam entre si os não verdadeiramente interessados...”
Outro
momento, mas este mais dramático, é quando o narrador, em serviço
de patrulha junto das posições francesas, se vê forçado a
lançar-se num desses buracos feitos pelos obuses, na altura em que
uma chuva horizontal de balas de metralhadora começa a varrer tudo à
volta. Um desafortunado soldado francês, para se refugiar atira-se e
cai atrás dele. Um susto, um gesto e um punhal se crava num homem de
vinte anos e uma longa agonia começa, tudo fazendo o alemão para o
reanimar. Em vão, porém. A morte chega ao fim de umas horas. O
monólogo que se segue, retrata bem o que é a guerra para os que só
obedecem:
….”camarada,
eu não queria matar-te. Se saltasses outra vez na cova, já não o
faria, na condição de que tu também fosses razoável. Só foste,
antes de mais nada, uma ideia, uma combinação nascida no meu
cérebro e que suscitou uma resolução; foi esta combinação que te
apunhalou. Noto agora que tu és um homem como eu. Pensei nas tuas
granadas, na tua baioneta e nas tuas armas; presentemente é a tua
mulher que vejo, assim como a tua cara e o que há em nós de comum.
Perdoa-me camarada. Vemos sempre as coisas tarde demais. Porque não
nos dizem continuamente que vocês são também uns pobres cães como
nós, que as vossas mães se atormentam como as nossas que todos nós
temos o mesmo medo da morte? Perdoa-me, camarada; como pudeste ser
meu inimigo? Se deitássemos fora estas armas e este uniforme, podias
ser meu irmão. Dou-te vinte anos da minha vida, camarada, mas
levanta-te... Dou-te ainda mais, pois daqui em diante não sei o que
hei-de fazer com eles.”